Cidades: planejamento urbano e ambiental

Em 2001, foi aprovada e sancionada a Lei Federal nº 10.257, o chamado Estatuto da Cidade, que define as diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano dos municípios brasileiros.


Cidades: planejamento urbano e ambiental

Em 2001, foi aprovada e sancionada a Lei Federal nº 10.257, o chamado Estatuto da Cidade, que define as diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano dos municípios brasileiros. O Estatuto da Cidade é caracterizado pela formulação de políticas de gestão para cidades democráticas e planejadas, bem como, pelo aprofundamento do tema da regularização fundiária, que toma a maior parte das preocupações dessa lei urbanística. A priori, caberia questionar qual a relação do Estatuto da Cidade com a problemática das questões ambientais. Contudo, já após a leitura do texto original, percebe-se uma grande preocupação com os temas ligados ao meio ambiente. Como se sabe, as cidades brasileiras foram vítimas do processo desordenado de urbanização que marcou a metade do século passado e essas intensas transformações no meio urbano também impactaram sobre o meio ambiente.
O objetivo deste artigo, portanto, é debater a questão ambiental no meio urbano, nas cidades, e apresentar esses instrumentos traduzidos pelo Estatuto da Cidade e discutir como podem contribuir com a qualidade de vida da população e com o cumprimento das funções sociais da cidade.

Introdução
Quando um estudo propõe-se a debater um tema ainda incipiente de discussões e abordagens científicas, como as questões ambientais, é sempre necessária a delimitação do objetivo de análise. Assim, importante entender que, a nosso ver, não há uma dicotomia entre o meio ambiente e meio urbano, nem um debate em torno dessas questões como compartimentos estanques. Ao contrário, há uma inter-relação profunda entre ambos que merece ser abordada.
O processo de urbanização no mundo contemporâneo, expressão da acentuação dos papéis urbanos sob o industrialismo e de novas formas de produção e consumo nas cidades, tem provocado o aprofundamento das contradições entre o ambiental e o social nos espaços urbanos, conforme listados alguns cenários abaixo:
• Os grandes assentamentos urbanos concentram os maiores problemas ambientais: poluição do ar, sonora e hídrica; destruição dos recursos naturais; desintegração social, desemprego; perda de identidade cultural e de produtividade econômica; formas de ocupação do solo informais e irregulares; abandono de áreas verdes e de lazer; mal gerenciamento de áreas de risco, do tratamento dos esgotos e da destinação final do lixo coletado;
• Nas metrópoles com grande concentração industrial coexistem os problemas de degradação ambiental e o trânsito caótico, as enchentes, a favelização e os assentamentos em áreas inundáveis, de risco e carentes em saneamento;
• Em cidades costeiras, as condições de balneabilidade das praias vêm sendo comprometidas cada vez mais pelas descargas de esgotos in natura e pelas precárias condições de limpeza pública e coleta de lixo; os interesses especulativos imobiliários forçam a ocupação de áreas de preservação ambiental, desfigurando a paisagem e destruindo ecossistemas naturais;
• As cidades históricas e religiosas também sofrem com a especulação imobiliária, com a favelização e com o turismo indiferente à preservação do patrimônio cultural e ambiental;
• Na Amazônia, as atividades extrativistas e o avanço da fronteira agrícola produzem cidades de crescimento explosivo, que se tornam paradigmas para a degradação da qualidade de vida no meio urbano.
Ao urbanismo, portanto, cabe a tarefa de identificar as necessidades reais da cidade para elaborar soluções factíveis, devendo colocar as relações sociais existentes como preocupação em primeiro plano, o que muitas vezes não acontece, isto é, as medidas urbanísticas acabam por tensionar as relações sociais. Importante ressaltar que as questões ambientais no meio ambiente pouco têm sido cientificamente, discutidas, sobretudo para apontar alternativas e soluções para os crescentes problemas vivenciados nas cidades.
O papel do Estado, do poder público, é extremamente necessário para reverter esse quadro nas cidades brasileiras. Entretanto, as ações e intervenções do poder público devem ser repensadas à luz da abordagem das questões ambientais no meio urbano, instaurando práticas na administração pública de gestão das ações urbanas quanto ambientais, de forma unificada ou, pelo menos, relacionadas, ou seja, concebendo um modelo de gestão urbana e ambiental para as cidades.

Cidades: planejamento urbano e ambiental

O Estatuto da Cidade
O Estatuto da Cidade, em vigor desde 10 de outubro de 2001, reúne normas relativas à ação do poder público na regulamentação do uso da propriedade urbana em prol do interesse público, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. É composto de 58 artigos, divididos em 5 capítulos: Diretrizes Gerais, Instrumentos da Política Urbana, Plano Diretor, Gestão Democrática da Cidade e Disposições Gerais.Apreocupação ambiental está presente desde a diretriz fundamental da lei federal de desenvolvimento urbano, expressada no parágrafo único do artigo 1º, que reza:
Art. 1º. (...)
Parágrafo Único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
No artigo 2º do Estatuto da Cidade estão alencadas outras 16 diretrizes gerais do desenvolvimento urbano, dentre elas cabe destacar e comentar aquelas que, por sua inovação, significado e abrangência, apontam a questão ambiental como pressuposto da política urbana:
I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
Em suma, o Estatuto da Cidade assevera com essa diretriz, que o "pleno exercício do direito a cidades sustentáveis compreende condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania e os direitos humanos, de participar da gestão da cidade, de viver numa cidade com qualidade de vida, sob os aspectos social e ambiental".
IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
Evidencia-se nessa diretriz, outra preocupação do legislador, a de que o crescimento urbano, quase sempre desordenado, tem provocado a degradação do meio ambiente, carecendo, portanto, de ações planejadas de desenvolvimento urbano e ambiental. O Estatuto da Cidade busca garantir que o crescimento e o desenvolvimento das cidades sejam processos que colaborem para o equilíbrio social e ambiental, e para isso as práticas de planejamento são fundamentais.
VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimento ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
Essa diretriz consolida a função social da propriedade urbana, ao qualificar o uso e a ocupação do solo, incorporando a dimensão de seus efeitos sobre o processo de formação de preços no mercado imobiliário e a adequação entre as reais condições das diferentes partes da cidade e a ocupação que essas áreas podem receber.

Cidades: planejamento urbano e ambiental

Os instrumentos de proteção do meio ambiente
Faltava a lei federal que traria as diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano e o Estatuto da Cidade preencheu essa lacuna, regulamentando os instrumentos de política urbana para torna-los eficazes. Dentre os instrumentos disciplinados pelo Estatuto da Cidade, pode-se dividi-los em três categorias: planos, institutos e estudos.
O Estatuto da Cidade, ao incluir, dentre os princípios norteadores das ações de política urbana, o equilíbrio ambiental, determinou fosse observada, na aplicação de todos os seus instrumentos, as normas ambientais, a vedação ou minoração de efeitos negativos sobre o meio ambiente e ainda a sua proteção, preservação e recuperação. Essa preocupação pode ser notada em uma série de outros instrumentos, alguns elencados com outras finalidades, outros em legislações esparsas, mas todos atentos ao desenvolvimento do espaço urbano com equilíbrio ambiental.

Considerações finais
Algumas grandes cidades têm buscado implementar essa política de desenvolvimento urbano e ambiental. Porto Alegre possui um plano (Lei Complementar nº 434/99) que é o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA). Em Belo Horizonte, o órgão gestor dessas áreas é a Secretaria Municipal da Coordenação de Política Urbana e Ambiental.
Em âmbito nacional, foi criado em 2003 o Ministério das Cidades, que passou a ser também a referência para as questões urbanas, com a missão de unificar as ações do Governo Federal nas áreas de transporte e mobilidade urbana, saneamento ambiental, habitação e os demais programas urbanos.
Por fim, outro ponto a ressaltar é que a gestão democrática das cidades pode contribuir para o desenvolvimento ambientalmente correto, uma vez que os atores sociais e agentes das transformações do espaço são chamados a discutir os rumos da cidade. Essa política de gestão, a nosso ver, pode ser conjuntamente, urbana e ambiental, cabendo aos órgãos públicos e gestores, ministérios, secretarias de estado e secretarias municipais hainstaurarem fóruns de debate como as Conferências e os Conselhos de Desenvolvimento Urbano e Ambiental.
Cabe à sociedade a mobilização em defesa das funções sociais da cidade. Cidades democraticamente planejadas e socialmente mais justas colocam-se em associação direta com um desenvolvimento urbano, que gera menos efeitos negativos sobre o meio ambiente natural e construindo uma maior valorização ambiental.

 

Cidades: planejamento urbano e ambiental Dr. Luciano Peske Ceron
Doutor em Engenharia de Materiais/PUCRS (Meio Ambiente/Filtração), Mestre em Engenharia de Materiais/PUCRS (Polímeros/Nãotecidos), Engenheiro Químico/PUCRS, Especialista em Gestão Ambiental/GAMA FILHO, Especialista em Gestão Empresarial/UFRGS.
Tel.: 51 9972 6534
E-mail: Ceron.Luciano@gmail.com

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