Saneamento no Brasil precisa chegar ao equilíbrio

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, Lei nº 14.026, sancionada em 15 de julho de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro, é um passo fundamental rumo à universalização dos serviços de abastecimento de água


Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, Lei nº 14.026, sancionada em 15 de julho de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro, é um passo fundamental rumo à universalização dos serviços de abastecimento de água e de coleta/tratamento de esgoto no Brasil. A orientação da CNI é que o governo seja célere e preciso na regulamentação da lei. 
O objetivo é fazer decretos e normas que garantam uma boa prestação de serviços à população. É preciso definir a metodologia para comprovar a capacidade econômico-
financeira, capacidade técnica e de cumprimento de metas das prestadoras de serviço, estabelecer os padrões de qualidade e de eficiência e a regulação tarifária. Com essas novas determinações, as empresas passam a fazer mais uso de tecnologias que melhorem seus processos de produção. A concorrência no setor é essencial para isso.

Evolução digital
O País vem organizando uma série de eventos para discutir as mudanças no setor. No dia 28 de outubro último, na Brazil Water Week (Semana da Água do Brasil), promovida pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), entre diversos debates, foi realizada uma sessão sobre Transformação Digital. Tema essencial para a evolução do saneamento e as perspectivas para os avanços tecnológicos no setor. “A informação é a maior base para a formulação de políticas e suporte à tomada de decisões, especialmente, por meio de modelos de previsão” – ressaltou o moderador Samuel Alves Barbi Costa, gerente de informações econômicas da Arsae-MG.
Motor de crescimento 
“Na infraestrutura brasileira, o setor com maior déficit de atendimento e maiores desafios de expansão é o saneamento. No entanto, é o baixo nível de investimentos o responsável pela lenta expansão dos serviços” – afirma Wagner Cardoso, gerente-executivo de Infraestrutura da CNI. As metas do Novo Marco Legal não serão atendidas se o cenário não mudar. Avanço no saneamento básico é urgente. “O saneamento está associado ao bem-estar social e pode se tornar o principal motor do crescimento da infraestrutura para a recuperação da economia brasileira” – diz. 
Cardoso cita o sucesso do leilão de Maceió, em conjunto com a aprovação da nova Lei e os vetos do presidente da República, que pode ser visto como quebra de paradigma no setor. “A concessão que envolve a capital alagoana e as cidades da região metropolitana prova que existe demanda forte para contratos de concessão bem estruturados que saibam atrair capital privado. A resposta do setor privado é rápida para modelagens de contrato competentes. Há outras importantes concessões a serem licitadas a curto prazo” – comenta.

Lições internacionais 
O estudo da CNI, Comparações Internacionais sobre Saneamento, destaca lições úteis da experiência internacional para o Brasil, mostrando os casos de sucesso para análise neste momento de mudanças.
A análise econométrica mostra que há diferença significativa entre os serviços de água e esgoto prestados por empresas privadas e públicas. A privatização impactou positivo na melhoria dos serviços de saneamento nos municípios: as notas são, em média, 10% maiores. Não tem receita pronta, são diferentes experiências e contextos na Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Japão, México, Inglaterra e Chile e os formatos construídos de saneamento variam em cada país.

Alemanha
Estudo da agência ambiental federal alemã aponta que mais de 80% da água disponível do país é intacta, 99% dos alemães acessam o sistema de água e menos de 20% dos recursos hídricos de abastecimento são usados. Segundo a agência, a participação de empresas privadas no saneamento cresceu: são mais de 40% que distribuem mais de 60% do volume total de água.

Saneamento no Brasil precisa chegar ao equilíbrio

Os baixos índices de perdas no país – na rede municipal, são de 15%, e no país, 6,8% – ocorrem devido às condições do solo, manutenção da qualidade do sistema, fácil acesso para reparos e substituição de partes da rede. A expectativa é que esse valor se reduza ainda mais ao longo do tempo nos municípios. Os esforços para reduzir perdas de água na Alemanha visam garantir ao sistema maior higiene, segurança, melhorias ecológicas e níveis suficientes de fornecimento.

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Canadá
Segundo país mais desenvolvido em uso de recursos hídricos, o Canadá dispõe de alta disponibilidade de água per capita em seu extenso território, numerosos corpos de água e baixa densidade populacional. Entretanto, a distribuição dos recursos hídricos não é igual, há regiões com limite de água e outras que não passam por escassez hídrica. Apesar do índice de abastecimento de água e de esgoto ser elevado, o tratamento de esgoto não é padronizado, a qualidade dos efluentes lançados em corpos d’água varia.

Estados Unidos
Assim como no Brasil, nos EUA, há uma falta histórica de investimento no saneamento, o que é de se admirar. Existe uma fragmentação do setor. Mais de 90% dos sistemas públicos de água – que juntos atendem cerca de 240 milhões de americanos – servem locais com menos de 10 mil habitantes. O resto da população tem abastecimento próprio. Os sistemas públicos são tanto entidades públicas quanto privadas, que respondem por 15%, 35 milhões de americanos, dessa oferta de água.
Um estudo de 2011 da Associação Americana de Engenheiros Civis estimou que os investimentos para manter e aprimorar o sistema de água e esgoto no país em 2010 ficariam em US$ 91 bilhões, mas foram aplicados apenas US$ 36 bilhões, US$ 55 bilhões de déficit. Nesse ritmo, a Associação avalia que o total de investimentos ultrapasse US$ 126 bilhões até 2020 e mais US$ 195 bilhões até 2040.

Saneamento no Brasil precisa chegar ao equilíbrio

Com a crise hídrica nos Estados Unidos, em 2015 foram estabelecidas medidas para ampliar investimentos e alocados recursos para soluções inovadoras em saneamento nos próximos 20 anos. Trabalhar com governos municipais e estaduais, prestadores de serviços públicos e privados com subsídios federais; promover PPPs para fornecimento de água, sistemas de esgoto e manutenção de córregos e rios limpos; reunir investidores e patrocinadores para benchmarking; desenvolver estudos de caso e toolkits; atrair investimentos para pequenas comunidades e fornecer treinamento financeiro e assistência técnica; e incentivar incubadoras.

Japão
O Japão sofre com as catástrofes naturais. Lá, foi construído um sistema de gestão de recursos hídricos baseado no planejamento de longo prazo e estreita coordenação entre os setores público e privado. Um processo organizacional voltado a visão do futuro, fatores ambientais externos e fatores organizacionais internos.
No setor de saneamento, o Governo planeja todo o desenvolvimento dos recursos hídricos e da conservação ambiental, além da formular e implementar as políticas públicas da água. Planejamento que prevê demanda de água, metas de fornecimento, construção de infraestrutura e racionalização do uso de água. Com base nestes planos, os governos locais comandam a operação, manutenção e gestão de obras hidráulicas, instalações de tratamento de água e dos serviços públicos de água e esgoto. 
O Banco Mundial calcula que 40% do orçamento de saneamento é investido em controle de inundação, e outros 35% em sistemas de tratamento de esgoto, cuja expansão é um dos principais objetivos japoneses. A proporção da população no Japão com acesso a tratamento de esgoto em 2005 foi de apenas 66,7%, uma das mais baixas entre os países desenvolvidos. 

Saneamento no Brasil precisa chegar ao equilíbrio

No país, 124 milhões de japoneses (97,3%) acessam água tratada; na zona urbana, chega a 98%. O país tem os menores níveis de perdas de água. Além disso, cresce a opção por prestação de serviços por empresas privadas, o que expandiu contratos, melhorou a eficiência e reduziu os custos.

México
O desafio do país é a sua geografia. 67% do país tem clima árido ou semiárido. O México tornou-se um dos países que mais utilizam água de reúso: grande parte da água produzida é reutilizada para irrigação na agricultura. Mas, muitas vezes, os efluentes reutilizados não são tratados e as normas para água de reúso são pouco aplicadas.
O perfil do país é a centralização do planejamento e poucas agências independentes. O governo mexicano se esforça para tratar a água que será reutilizada e focar em outros métodos para ampliar a oferta. Porém, a demanda por água cresce e ainda não há programa coerente que atenda às necessidades. A água subterrânea é explorada acima da capacidade e está bem poluída. A recarga de aquíferos é um tema muito discutido por lá também. 

Inglaterra
O modelo inglês, devido ao governo central forte, com firme disposição política para investir, é referência de participação privada em saneamento, que se iniciou no fim dos anos 80. Até o começo dos anos 60, utilizava-se um modelo descentralizado em que os serviços de água e de coleta eram prestados por centenas de organizações públicas locais, municipais ou intermunicipais. Em 1973, o governo tomou diversas medidas para tornar os serviços mais integrados e regionalizados.
Foram criadas dez companhias regionais de água (Regional Water Authorities ou RWAs), cada uma correspondia a uma bacia hidrográfica e encarregada por sua gestão e controle dos recursos hídricos. A União administrava essas companhias. Em 1989, o controle das RWAs passou para holdings, que constituíram dez companhias privadas de saneamento, as Public Limited Companies ou PLCs.
As dez PLCs ficaram responsáveis pela prestação dos serviços de abastecimento de água, coleta, disposição e tratamento de esgotos. O modelo de privatização previa haver clara separação entre a prestação dos serviços de saneamento e sua regulação sobre as tarifas, os padrões de serviços e as qualidades das águas. Foi criada uma estrutura de bipartite entre reguladores econômicos e de qualidade que permanece inalterada. Há controle dos processos de aquisições e fusões de empresas; combate de práticas anticompetitivas; revisão de processos de licenciamento, concessão ou franchise de serviços públicos; e análise de conflitos entre regulador e companhia.

Chile
A partir dos anos 70 o Chile avançou na prestação dos serviços de saneamento. Antes, a prestação dos serviços e a fonte de investimento eram do setor público, as tarifas não refletiam os custos e havia distorção de subsídios. Durante os anos 90, as empresas do setor conseguiram a autossuficiência financeira, eficiência econômica e foram abertas ao capital/experiência em gestão do setor privado. 
A segunda fase de modernização (1991 a 1994) resultou em empresas públicas com financeiro sustentável, rentáveis e mais eficientes na prestação dos serviços. Mas ainda era necessário avançar no tratamento do esgoto sanitário e melhorar a eficiência e qualidade dos serviços.
Na terceira fase de modernização (1995 a 2006), inicia-se o processo de privatização das empresas do setor com a venda de ações. 
O objetivo era melhorar os níveis de tratamento de esgoto sem comprometer os recursos públicos, incentivar maior eficiência na gestão e incorporar novas tecnologias. Em 2000, muda-se o procedimento para assinatura de concessões com prazo de até 30 anos. Em 2005, 95% dos usuários urbanos tinham prestação dos serviços de empresa privada. Os resultados foram níveis de cobertura de água e esgotamento universais, tratamento de esgoto de cerca de 100%, maior nível de investimentos e ótimos padrões de qualidade.

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Concorrência
O índice médio para a coleta de esgoto das companhias privadas de saneamento é de 72,3% nas cidades onde atuam, conforme estudo da CNI, A importância da concorrência para o setor de saneamento básico. Segundo o trabalho, as empresas privadas são 20 pontos percentuais mais eficientes – a média nacional de esgoto coletado é de 52,3%. O cálculo considerou todas as concessões plenas de água e esgoto em 12 das 27 unidades da Federação. Outros dados da CNI revelam que as companhias privadas investem duas vezes mais recursos, o investimento médio por habitante é 33% maior que a média nacional.

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Atualmente, as companhias estaduais atendem 73% do mercado nacional por contratos de programa, que não estabelecem metas claras de investimentos ou de atendimento e são renovados sem avaliação da qualidade e eficiência do serviço. Celebrado entre município e concessionária pública estadual, não precisa de licitação nem concorrência. Mas muitos desses contratos estão vencidos. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 18% dos municípios atendidos com coleta de esgoto, 247 cidades, estão com delegação vencida ou sem delegação formal. E mais de 1,3 mil cidades não estão sendo atendidas, embora tenham delegação em vigor.

Índices superiores
O investimento privado em saneamento é duas vezes superior à média nacional. Alcançou R$ 418,16 por habitante, entre 2014 e 2016, 2,2 vezes a média nacional, de R$ 188,17 por pessoa. 
Segundo levantamento da CNI, apesar da pequena participação – 6% –, as empresas privadas vêm contribuindo para acelerar a cobertura básica à população e apresentam índices superiores às médias nacionais em atendimento (ver tabelas). No entanto, elas atendem 9% da população e são responsáveis por 20% dos investimentos no setor. Atualmente, 72% das cidades brasileiras com companhias privadas têm até 50 mil habitantes. 

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Falta de saneamento
Um Brasil ainda do século 19 devido à falta de saneamento, à lenta expansão das redes e à baixa qualidade na prestação dos serviços. Por causa da falta de saneamento, mais de 3 mil crianças com menos de 5 anos morrem ao ano no Brasil com infecções gastrointestinais e, desde 2018, mais de 680 mil pessoas foram contaminadas pela dengue.
O atual modelo pautado por contratos de programa – sem licitação – não conseguiu expandir a prestação de serviços de água e esgoto para atender a população. A falta de concorrência afeta a expansão do atendimento e investimentos e a capacidade de gestão do setor. Definir o modelo de negócios depende da densidade demográfica, renda per capita, rede já instalada etc. No Brasil, a solução são os modelos híbridos em que a prestação pública, a concessão plena e as parcerias públicoprivadas se complementam. Há três tipos de aplicação de recursos para investimentos:
• Recursos onerosos: do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), sob gestão do Governo Federal, ou de empréstimos internacionais das agências multilaterais de crédito, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial. 
Recursos não onerosos: do Orçamento Geral da União por meio da Lei Orçamentária Anual e de orçamentos dos Estados e municípios. 
• Recursos próprios: dos prestadores de serviços, da cobrança pelos serviços. 
A diferença de valores do Nordeste com as outras regiões é muito significativa. Na Região Centro-Oeste, os recursos onerosos foram responsáveis por 42% do total investido. Nas Regiões Sul e Sudeste, representaram 35%. 

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Obras paradas
Do total de 718 obras de infraestrutura paralisadas, o saneamento corresponde a 60%. A principal razão são “motivos técnicos”, “outros” e “abandono pela empresa”: juntos, esses três motivos respondem por 85,5% do total de obras paralisadas.

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Os empreendimentos paralisados de saneamento correspondem a 9% do valor total dos projetos de infraestrutura parados. São projetos simples com poucos imprevistos para problemas técnicos. 

Saneamento no Brasil precisa chegar ao equilíbrio

Os principais motivos para a paralisação de obras de saneamento mostram as limitações da gestão pública. O abandono, por exemplo, ocorre por falhas na licitação em que empresas sem expertise acabam ganhando a concorrência e a falta de pagamento em que municípios e Estados não cumprem compromissos contratuais. Encontra-se ainda a má qualidade de elaboração e execução de projetos, sem avaliação de riscos ambientais, desapropriação e contestações judiciais.

Burocracia
O excesso de burocracia também traz lentidão aos processos no saneamento, aumenta custos, encarece produtos e serviços e desmotiva possíveis negócios e investimentos. O grande número de órgãos e entidades existentes, cada qual com sua visão e exigências, dificulta o andamento dos trabalhos, gastando-se tempo para resolver questões simples. Por isso, realizar projetos de infraestrutura se torna tão complicado. Outros fatores são: falta de planejamento; pouco volume de investimentos; dificuldade de financiamentos; deficiências de gestão das companhias; baixa qualidade técnica dos projetos; e complexidade das licenças para as obras.

Plataforma digital  
Dinâmica e interativa, a plataforma digital da CNI exibe um retrato dos serviços de água e esgoto no País, da deficiência no atendimento, dados de investimentos e exemplos bemsucedidos de municípios que recorreram à iniciativa privada para ampliar o atendimento à população. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 1.935 dos 5.570 municípios brasileiros, ou 34,7% do total, ainda registram epidemias ou endemias relacionadas à falta ou à deficiência de saneamento básico. 
 

Contatos:
Arsae-MG:
www.arsae.mg.gov.br
CNI: www.portaldaindustria.com.br/cni

 

Referências bibliográficas

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI). Comparações internacionais: uma agenda de soluções para os desafios do saneamento brasileiro. Estudo Internacional CNI 2017. Gerência Executiva de Infraestrutura – GEINFRA.  

A importância da concorrência para o saneamento básico. Gerência Executiva de Infraestrutura – GEINFRA. Disponível em: <https://www.portaldaindustria.com.br/publicacoes/2019/9/importancia-da-concorrencia-para-o-setor-de-saneamento-basico

PORTAL DA INDÚSTRIA. Marco legal é passo importante para universalizar saneamento básico no País. Disponível em: <https://noticias.portaldaindustria.com.br/posicionamentos/marco-legal-e-passo-importante-para-universalizar-saneamento-basico-no-pais

Coleta de esgoto feita por empresas privadas supera média nacional, diz CNI. Disponível em: <https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/infraestrutura/coleta-de-esgoto-feita-por-empresas-privadas-supera-media-nacional-diz-cni

Investimento privado em saneamento é duas vezes superior à média nacional. Disponível em: <https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/infraestrutura/investimento-privado-em-saneamento-e-duas-vezes-superior-a-media-nacional

Infográfico: a realidade do saneamento básico no Brasil.
Disponível em: <https://noticias.portaldaindustria.com.br/especiais/infografico-a-realidade-do-saneamento-basico-no-brasil
 

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