Lodo Ativado Granular: A Nova Opção Em Tratamento De Esgoto

A premente busca nas atualizações científicas e tecnológicas pertinentes aos processos de tratamento de esgoto é consequência da necessidade do desenvolvimento do trabalho acadêmico que agrega conhecimento nacional sob o tema


A premente busca nas atualizações científicas e tecnológicas pertinentes aos processos de tratamento de esgoto é consequência da necessidade do desenvolvimento do trabalho acadêmico que agrega conhecimento nacional sob o tema, bem como na urgente demanda em processos cada vez mais compactos e eficientes, tanto em termos de remoção de carga orgânica, como de nutrientes.
O processo de lodos ativados é reconhecido pela sua capacidade de remoção tanto de matéria orgânica como de nutrientes, sendo flexível e permitindo inúmeras configurações.
Recentemente, foi descoberta a possibilidade de se obter a granulação da biomassa aeróbia de um reator operando em bateladas sequenciais, tendo como resultado a formação de um lodo com ótimas propriedades para o tratamento de esgoto, permitindo manter uma concentração de biomassa ativa na forma de grânulos biológicos bem acima da que ocorre normalmente em processos convencionais, dotando-o de grande capacidade de recebimento de carga, além de permitir a formação de zonas anóxicas e anaeróbias no interior desses grânulos e assim proporcionar fenômenos como a desnitrificação, além de favorecer a remoção de fósforo por meio do crescimento de organismos acumuladores de fósforo.
Em linhas gerais, com essa variante do processo de lodos ativados é possível realizar um tratamento com excelentes propriedades técnicas, com um sistema mais compacto e econômico em comparação com as diversas opções disponíveis.
O presente trabalho tem, portanto, por objetivo apresentar, de forma sucinta, o processo de Lodos Ativados Granular (LGA), abordando seus principais aspectos, tanto do ponto de vista técnico com operacional.

Lodo Ativado Granular
O processo de lodo ativado granular tem seu surgimento no final dos anos de 1990, motivado por pesquisas envolvendo a participação de substâncias exopoliméricas na estrutura e composição de biofilmes, permitindo supor a possibilidade do crescimento de grânulos biológicos sem a presença de material suporte, com o emprego de reatores em batelada sequenciais (RBS) (DE KREUK; NISHIDA e van LOOSDRECHT, 2007).
Reatores Granulares agregam características fundamentais para o processo de tratamento de esgoto: possuem microbiota especializada na remoção tanto de matéria orgânica como de nutrientes, além de rápida e eficiente separação sólido/líquido, devido a estrutura densa e compacta dos grânulos biológicos terem uma alta velocidade de sedimentação, quando comparado com o lodo floculento convencional (SCHWARZENBECK; ERLEY e WILDERER, 2004).
Outro ponto a favor da nova tecnologia é o fato de tratar-se de um sistema compacto, proporcionando intensificação dos processos de remoção e minimização do espaço ocupado pelas instalações, desenvolvido nos denominados Reatores em Batelada Sequencial (RBS), que por sua vez oferecem essa compactação na medida em que todas as etapas da operação ocorrem em um único reator, através da imposição de ciclos: enchimento, reação, sedimentação e descarte (GUIMARÃES, 2017). A Figura 1 apresenta a sequência de operação típica de um RBS.

Lodo Ativado Granular: A Nova Opção Em Tratamento De Esgoto


Grânulos biológicos podem ser definidos como agregados microbianos que não coagulam sob baixa tensão hidrodinâmica, e que apresentam velocidade de sedimentação significativamente maior que flocos biológicos; em geral, apresentam forma esférica, cujo diâmetro pode variar de 0,2 a 6,0 mm (de KREUK et al, 2005). A Figura 2 ilustra esses grânulos biológicos, bem como o grânulo observado por microscopia eletrônica de varredura (MEV).

 

Lodo Ativado Granular: A Nova Opção Em Tratamento De Esgoto


O Índice Volumétrico do Lodo (IVL) pode ser considerado um parâmetro de avaliação do processo de granulação, entretanto, o ensaio tradicional normatizado em 30 minutos pode não representar de forma adequada a dinâmica de interação dos grânulos com o líquido em movimento, uma vez que estes sedimentam muito mais rápido que a biomassa floculada. Uma opção para adaptar-se o método às condições físicas da biomassa granular, é a determinação do volume do lodo após 5, 10 e 30 minutos de sedimentação (SCHWARZENBECK et al, 2004). Dessa forma, a aproximação entre os tempos de medida do IVL torna-se um indicativo das características de sedimentabilidade do lodo, sendo que o processo de granulação pode ser considerado completo, quando a relação IVL30/IVL10 encontra-se em torno de 90% (DE KREUK, KISHIDA e LOOSDRECHT, 2007; LIU e TAY, 2007; SCHWARZENBECK et al, 2004). Pode-se verificar na Figura 3, a boa sedimentabilidade do lodo.

 

Lodo Ativado Granular: A Nova Opção Em Tratamento De Esgoto


Outro ponto importante na caracterização de um lodo como do tipo granular, é sua velocidade de sedimentação. Lodo granular apresenta velocidade de sedimentação que varia de 25 a 70 m/h (QIN; LIU e TAY, 2004), muito superiores aos lodos floculentos convencionais, a qual situa-se entre 3 a 5 m/h (GIOKAS et al, 2003).
Em linhas gerais, a granulação aeróbia consiste em um processo gradual envolvendo a transformação de lodo ativado floculento em agregados compactos, os quais posteriormente adquirem a forma de lodo granular e finalmente de grânulos maduros (TAY et al., 2001), a Figura 4 exemplifica as fases desse processo. Experimentalmente, isso pode ser conduzido através da imposição de tempo de sedimentação cada vez mais curto, de forma que alguns flocos conseguiram manter-se no interior do reator dando continuidade à sua transformação em grânulos, enquanto que outros serão lavados para fora, juntamente com o efluente (DE KREUK; NISHIDA e van LOOSDRECHT, 2007).

 

Lodo Ativado Granular: A Nova Opção Em Tratamento De Esgoto


O processo de granulação aeróbia é afetado por uma série de parâmetros operacionais, tais como tempo de sedimentação, composição do substrato, carga orgânica, oxigênio dissolvido, troca volumétrica, tensão hidrodinâmica e configuração do reator (KONG et al.,2009; ZHU et al.,2013; BINDHU & MADHU, 2014).
Em sistemas de lodo granular, é possível se obter a remoção simultânea de matéria orgânica, nitrogênio e fósforo, ocorrendo de forma paralela em diferentes zonas no interior dos grânulos (BASSIN et al, 2012). Em função do tamanho do grânulo, ocorre uma natural limitação da difusão do gás oxigênio em seu interior, possibilitando a existência de diferentes zonas, como pode ser observado na última etapa ilustrada na Figura 4, sendo elas: aeróbia (mais externa), anóxica (mais no interior) e anaeróbia (no centro) (LI et al, 2005).
Durante os ciclos de operação do RBS, após o enchimento, em condições anaeróbias, a concentração de substrato facilmente biodegradável é alta, permitindo sua difusão pelo grânulo por todas suas zonas; parte desse material será convertido em polímeros intracelulares como polihidroxialcanatos (PHA) ou polihidroxibutiratos (PHB) pelos organismos acumuladores de fósforo (PAO) e/ou organismos acumuladores de glicogênio (GAO), os quais competirão pelo substrato disponível; por conta do interesse em se remover fósforo, deve-se priorizar o desenvolvimento do PAO, isso porque enquanto as células bacterianas normais conseguem acumular em torno de 2,6% de fósforo, essa classe de microrganismos chega a números superiores a 38%; outro ponto que reforça a presença do PAO é o fato de que há evidências da sua importância na obtenção de grânulos densos e estáveis. Nessa fase, observa-se, portanto, uma liberação de fósforo por parte desses microrganismos, devido a ruptura de moléculas de ATP em detrimento da síntese e armazenamento de material energético. Na fase seguinte ao enchimento, da reação, com a introdução do gás oxigênio, a quantidade de substrato rapidamente biodegradável disponível na fase líquida é pequena, então, os PAO’s fazem uso do PHA armazenado como fonte de energia, resultando disso a enorme absorção de fósforo na síntese de ATP’s. A remoção do lodo de excesso garantirá, portanto, uma excelente eficiência na diminuição desse elemento no efluente (LI et al, 2014; BASSIN, 2012; NUNES et al, 2011; DE KREUK e VAN LOOSDRECHT, 2004; BEUN et al, 2002).
As etapas de remoção de nitrogênio em processos de lodo granular, ocorre de forma simultânea, nas diferentes zonas do grânulo. A nitrificação é observada na região mais externa, onde a presença de oxigênio dissolvido se faz presente; o nitrato gerado pode se difundir para o interior, chegando na zona anóxica, e serem desnitrificado, sendo que os PHA’s armazenados na etapa anterior podem ser utilizados como doadores de elétrons (DE KREUK et al, 2005).
Bassin (2011), enumera algumas características interessantes do processo:
• Excelente sedimentabilidade, facilitando a separação do efluente tratado do lodo granular;
• Propiciam grande retenção de biomassa no reator, aumentando a capacidade volumétrica de tratamento;
• Estrutura densa e forte;
• No interior há presença de zonas aeróbias e anóxicas, o que permite que diferentes processos biológicos (remoção de matéria orgânica, nitrificação, desnitrificação e remoção de fósforo) sejam realizados no mesmo sistema;
• Capacidade de suportar altas velocidades;
• Menos vulneráveis à toxicidade de compostos químicos e metais pesados em comparação com o lodo ativado;
• Não necessita de material de suporte;
• Reduz os custos de operação de uma planta de tratamento em pelo menos 20% e diminuição do espaço requerido em 75%.
Por trata-se de uma tecnologia relativamente nova, ainda há uma série de obstáculos a serem vencido, sobretudo, na perfeita compreensão dos mecanismos e rotas biológicas envolvidas no processo de granulação, bem como no desafio de operar uma estação em escala real, dado as dificuldades operacionais existentes nas estações de tratamento de esgoto que operam no Brasil.
Desafio esse que o meio acadêmico brasileiro já vem enfrentando há alguns anos, com diversos trabalhos sendo publicados pelas mais renomadas universidades. É possível, também, já ver em operação algumas plantas operando como LGA, ainda sob concessão de patentes e nas mãos da iniciativa privada.
Urge, portanto, o incentivo cada vez maior tanto na pesquisa como na divulgação do conhecimento já adquirido, com o intuito de oferecer ao campo do saneamento mais uma ferramenta eficiente a ser posta em trabalho da manutenção da qualidade de vida e das águas brasileiras.

 


Prof. Dr. Fábio Campos

Escola de Artes e Ciências Humanas da USP

Amanda Zeferino Cabral
Graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do IFSP-São Roque

 


Referências bibliográfica:
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BASSIN, J.P., KLEEREBEZEM, R., DEZOTTI, M., VAN LOOSDRECHT, M.C.M. Simultaneous nitrogen and phosphate removal in aerobic granular sludge reactors operated at different temperatures. Water Research, 46 (12): 3805-3816, 2012.
BASSIN, J.P. Tecnologia de granulação aeróbia (lodo granular aeróbio). In: DEZOTTI, M., SANT’ANNA JR, G.L., BASSIN, J.P (Org.) Processos biológicos avançados para tratamento de efluente e técnicas de biologia molecular para o estudo da diversidade microbiana. Rio de Janeiro: Editora Interciência, 2011.
BINDHU, B.K.; MADHU, G. Selection pressure theory for aerobic granulation-an overview. International Journal of Environment and Waste Management, 13, 317–329, 2014.
BEUN, J. J.; VAN LOOSDRECHT, M. C. M.; HEIJNEN, J. J., 2002, Aerobic granulation in a sequencing batch airlift reactor, Water Research, v. 36, n. 3, 702-712.
DE KREUK, M.K., VAN LOOSDRECHT, M.C.M.,Selection of slow growing organisms as a means for improving aerobic granular sludge stability, Water Scienceand Technology, v. 49, p. 9-17, 2004.
DE KREUK, M.K., KISHIDA, N., van LOOSDRECHT, M.C.M., Aerobic Granular Sludge – State of the Art. Water Science & Technology, 55 (8-9): 75-81, 2007.
DE KREUK, M.K., DE BRUIN, L.M.M. and VAN LOOSDRECHT, M.C.M., Aerobic granular sludge; from idea to pilot plant. In Aerobic Granular Sludge, Bathe, S., De Kreuk, M.K., Mc Swain, B.S. and Schwarzenbeck, N. (eds), IWA, London, UK, pp. 111–123, 2005
GIOKAS, D. M., DAIGGER, G.T., von SPERLING, M., KIM, Y., PARASKEVAS, P.A., Comparasion and Evaluation of Empirical Zone Settling Velocity Parameters Based on Sludge Volume Index Using a Unified Settling Characteristics Database. Water Research 37: 3821-3836, 2003
GUIMARÃES, L. B., Caracterização microbiológica do lodo granular na remoção de nutrientes e potencial de recuperação de exopolímeros de efluentes em reatores em bateladas sequenciais. Tese apresentada à Universidade Federal de Santa Catarina, 2017.
KONG, Y. et al. Aerobic granulation in sequencing batch reactors with different reactor height/diameter ratios. Enzyme And Microbial Technology, 45(5): 379-383, 2009.
LI, J.et al. Structure Analysis of Aerobic Granule from a Sequencing Batch Reactor for Organic Matter and Ammonia Nitrogen Removal. International Journal of Environmental Research and Public Health, 11(3): 2427-2436, 2014
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