Qual é a sua pegada hídrica?

Não é de hoje que existe um apelo grande para o consumo consciente da água. Diante de um evidente caos e uma possível escassez desse recurso tão fundamental para a existência humana, governantes e Organizações


Qual é a sua pegada hídrica?

Não é de hoje que existe um apelo grande para o consumo consciente da água. Diante de um evidente caos e uma possível escassez desse recurso tão fundamental para a existência humana, governantes e Organizações Não Governamentais (ONGs) de todo o planeta se engajam em campanhas que prezam pela preservação hídrica. Por muitas décadas se investiu em alertas focados em pequenas atitudes como redução no tempo do banho, fechar a torneira enquanto se lava as louças ou se escova os dentes, lavar carros e calçadas sem a mangueira, consertar vazamentos, entre outras. No entanto, uma nova metodologia de gestão de água, elaborada pelo pesquisador holandês e diretor científico da Water Footprint Network (WFN) Arjen Hoekstra, promete mostrar ao mundo uma nova forma de enxergar o consumo dos recursos hídricos e, consequentemente, minimizar os seus efeitos negativos no meio ambiente. Trata-se da Pegada Hídrica, também conhecida como Water Footprint.
Essa inovadora ferramenta de gestão dos recursos hídricos é uma espécie de indicador do consumo de água doce, que considera as utilizações diretas e indiretas do recurso. Dessa forma, a Pegada Hídrica permite que iniciativas públicas e privadas e, principalmente, a população em geral, possam entender que a utilização da água está presente em toda a cadeia produtiva de produtos, considerando as etapas do processo de fabricação e os locais por onde ele passou. Por exemplo, de acordo com os cálculos da Pegada Hídrica, para se conseguir 100 gramas de chocolate são utilizados 2.400 litros de água ao longo de toda a cadeia produtiva do alimento. Já para se produzir uma camiseta de algodão, são necessários 2.700 litros. Com a utilização desses dados, a Water Footprint espera conscientizar a sociedade, mostrando a ela uma forma de quantificar a sua contribuição para a degradação ambiental nas bacias hidrográficas de todo o mundo.
A pós-doutora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (PROCAM/USP), Vanessa Empinotti, que desenvolve pesquisas sobre esse tema, explica que essa metodologia traz o entendimento de que a água está presente em tudo. "A grande mensagem da Pegada Hídrica é a seguinte: a água você vai ter que utilizar, pois ela está presente em tudo. A questão é como você irá utilizá-la", destaca.

Conscientização
O foco principal da Pegada Hídrica é o entendimento e a conscientização da população no que se refere aos conflitos do uso das águas e a deterioração dos recursos hidrográficos. Segundo o Manual Técnico da Pegada Hídrica (disponível para download gratuito no site www.waterfootprint.org), as atividades humanas consomem e poluem muita água, por isso, é necessário fazer um cálculo da utilização desse recurso como um todo para desenvolvermos a consciência do quanto estamos agredindo o meio ambiente. "Tem-se dado pouca atenção ao fato de que, no final, o total de utilização de água e de poluição se relaciona com o que e com o quanto que a comunidade consome de bens e serviços. O uso de água escondido atrás de produtos pode ajudar a quantificar os efeitos do consumo e do comércio sobre os recursos hídricos", descreve o manual.
De acordo com Vanessa, a metodologia da Pegada Hídrica ajuda os consumidores a serem mais conscientes em suas escolhas. "O consumidor e também as empresas conseguem ter a consciência de que tudo tem água e vai continuar tendo, mas que eles devem pensar em como vão utilizar esse recurso", afirma a pós-doutora.

Qual é a sua pegada hídrica?

Entenda
A Pegada Hídrica é verificada a partir de um cálculo elaborado para averiguar todo o consumo de água ao longo do ciclo de vida dos produtos e serviços de uma empresa, comunidade ou pessoa comum. "Essa metodologia considera a utilização dos recursos hídricos desde a produção agrícola até o consumo final. Esse cálculo é feito a partir de uma sequência de formas, alimentada por dados", ensina Vanessa.
A Water Footprint pode ser "Verde", quando a água da chuva evapora ou é incorporada em um produto durante o processo de produção. "Azul", quando o cálculo é realizado considerando as águas superficiais ou subterrâneas que evaporam ou são incorporadas em produtos. Também são consideradas "Azul" as águas superficiais ou subterrâneas que são devolvidas ao mar ou lançadas em outras bacias. A Pegada Hídrica pode ser ainda "Cinza", quando se calcula o volume de água necessário para diluir a poluição gerada durante o processo produtivo.
A metodologia considera todas as etapas de produção de um produto e também os locais por onde ele passou. Isso porque a Pegada Hídrica de uma área que tem água em abundância é muito diferente de uma que está em uma região mais seca. Por isso, são utilizadas formas diferentes para distinguir essas "pegadas". Por exemplo: o algodão cultivado e transformado em tecido no Paquistão pode produzir uma camisa na Malásia e ser vendida nos Estados Unidos. Dessa forma, para calcular a Pegada Hídrica de uma camisa é necessário a somatória da pegada de cada etapa do processo de produção e distribuir isso por diversas partes do mundo. Nesse processo, a Water Footprint irá considerar ainda o quanto de poluição nas águas pode ser gerada em um determinado lugar. Essa metodologia permite fazer a ligação entre o consumo que acontece em uma região e o impacto que ele pode ocasionar no sistema hídrico de outro lugar.

Pegada hídrica na indústria
Inicialmente, a Pegada Hídrica não tinha o foco nas indústrias. "Ela surgiu com o propósito muito mais voltado para a conscientização do consumidor sobre os impactos do consumo na degradação dos recursos hídricos. No entanto, logo veio o interesse das grandes empresas em saber qual é o impacto de suas produções na deterioração e nos conflitos do uso da água. Com as informações adquiridas, elas podem desenvolver ações para que seus produtos diminuam o impacto ambiental", explica Vanessa.
Em recente visita ao Brasil, o criador do conceito de Water Footprint, Arjen Hoekstra, declarou que, apesar de os governos terem um papel importante na elaboração de leis que tornem a gestão eficiente de água uma obrigação, para que esse processo funcione é fundamental a participação das empresas. De acordo com o pesquisador, as companhias devem se envolver completamente nesse movimento. As indústrias precisam entender como utilizar os recursos hídricos da melhor forma possível e devolvê-los limpos à natureza.
A metodologia da Pegada Hídrica tem chamado a atenção das empresas. Em 2010, 302 companhias de diversas partes do mundo foram convidadas para participar de um projeto piloto, por iniciativa de um grupo de investidores institucionais. O convite teve como intuito estimular as empresas a medirem e reportarem sua intensidade no uso da água e averiguarem suas vulnerabilidades relacionadas à disponibilidade desse recurso.
De acordo com Hoekstra, as companhias estão buscando cada vez mais alternativas para ajudar na preservação da água. Segundo o pesquisador, o comprometimento dos recursos hídricos pode ocasionar danos diretos aos negócios de uma empresa, prejudicando a sua reputação e as áreas financeiras e regulatórias.
Para Vanessa, a utilização da Pegada Hídrica aumenta a preocupação das companhias e do consumidor com o impacto das produções sobre os recursos hídricos. "Com essa metodologia, o consumidor e a empresa conseguem ter a consciência do quanto de água está sendo utilizado na fabricação de um determinado produto. Dessa forma, a companhia pode desenvolver ações que reduzam o seu impacto no meio ambiente, melhorando a sua imagem perante o cliente, que poderá cobrar por esse tipo de atitude", reforça.
No Brasil, já existem empresas interessadas em calcular a sua Pegada Hídrica. A ferramenta pode ser útil para que a companhia reveja seus processos, evite o desperdício de água e diminua os custos da produção.
Entre as empresas brasileiras interessadas no método está a Natura. Além da área de cosméticos, os fabricantes de bebidas e alimentos têm se demonstrando favoráveis à metodologia da Pegada Hídrica. Quem tiver interesse pode realizar o cálculo no site da Water Footprint (www.waterfootprint.org). Vale lembrar que a Pegada Hídrica per capita do Brasil é de 1.381 m³ anuais.

Selo de qualidade
A discussão que envolve a metodologia da Pegada Hídrica tem ganhado cada vez mais força em diversas partes do mundo. "Existem vários grupos e ONGs que desenvolveram bases de cálculos variados para a Pegada Hídrica, considerando a análise do ciclo de vida dos produtos. O que vale é essa perspectiva que está sendo gerada. O debate sobre o uso consciente da água está chegando a patamares nunca vistos antes", anima-se Vanessa.
De acordo com a especialista no tema, a Pegada Hídrica promete revolucionar a forma de se consumir os recursos hídricos e de encarar a degradação e os conflitos do uso da água. "Nunca existiu uma discussão como essa em relação à preservação da água. Você sempre ouviu uma discussão sobre a conservação das florestas, mas nunca sobre os recursos hídricos. Esse debate está tão forte, que já se discute sobre a criação de um ISO para água", comenta Vanessa.
Em alguns lugares do mundo já existem fabricantes se adiantando para essa tendência de emitir um selo de qualidade para água, citada por Vanessa. A exemplo dos selos adotados por empresas europeias para sinalizarem o quanto foi emitido de dióxido de carbono (CO2) na sua produção – conhecida como pegada de carbono -, começam a surgir agora empresas que informam na embalagem de seus produtos dados sobre o consumo de água utilizada na produção.
A primeira empresa a adotar esse selo foi uma indústria de cereais da Finlândia, chamada Raisio. A fabricante imprimiu o selo na embalagem do cereal Elovena, feito com aveia, indicando o quanto de água foi utilizada desde o crescimento dos grãos no campo até a produção e o descarte. De acordo com as informações, para fabricar 100 gramas do produto foram necessários 101 litros, a maior parte para o cultivo da aveia. Para emitir o selo, a empresa desenvolveu um modelo próprio de cálculo, utilizando dados sobre a evaporação da água do Instituto Meteorológico da Finlândia.
Apesar de louvável, pesquisadores que trabalham com a metodologia da Pegada Hídrica alertam que ainda são necessárias melhorias no método para que os consumidores possam comparar as informações de produto para produto, uma vez que não existe uma base de cálculo internacional.

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