Uso De Águas Cinzas Para Fins Não Potáveis

A prática de reúso potável já é uma realidade em diversos países como Austrália, Bélgica, Estados Unidos, Singapura, Windhoek etc. Em Windhoek, capital da Namíbia a estação de reúso potável direto de Goreanbag


A prática de reúso potável já é uma realidade em diversos países como Austrália, Bélgica, Estados Unidos, Singapura, Windhoek etc. Em Windhoek, capital da Namíbia a estação de reúso potável direto de Goreanbag, está operando há mais de 50 anos, sem causar nenhum problema de saúde pública. Nos Estados Unidos, país muito restritivo sobre aspectos de saúde pública, existem várias estações operando há muito tempo como Wichita Falls e Big Springs, no Texas, Cloudcroft no Novo México, etc.
O CIRRA projetou, construiu e operou durante 2 anos a planta piloto para reúso potável direto da SANASA CAMPINAS, projeto financiado pelo COMITÊ de BACIAS DO PCJ. A piloto é construída de ultrafiltração, radiação UV para proteção da formação de "fouling" nas membranas de osmose reversa, em duplo passo, processo oxidativo avançado com peróxido de hidrogênio e radiação UV, carvão ativado e carvão ativado biologicamente com Ozona. A qualidade da água produzida foi avaliada com as seguintes varíáveis: Portaria MS 2914/2008, que estabelece as variáveis e condições a serem atendidas para água potável no Brasil – análises efetuadas pelo laboratório certificado Merieux Nutrisciences, Campinas SP; Toxicidade com Luminescência (Vibrio Fischeri) – análises efetuadas pelo laboratório certificado Merieux Nutrisciences, Campinas SP.
N-Nitrosodimethylamine (N-NDMA) – análises efetuadas pelo laboratório certificado Merieux Nutrisciences, Campinas SP; Teste de AMES para mutagenicidade – análises efetuadas pelo laboratório certificado Merieux Nutrisciences, Campinas SP; Vírus entéricos – análises efetuadas pelo Laboratório de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas – ICB/USP
Testes YES (Yeast Estrogenic Screen) e YAS (Yeast Androgenic Screen) para disruptores endócrinos e produtos farmacêuticos quimicamente ativos. Análises efetuadas pelo CIRRA Todas essas variáveis medidas durante 2 anos demonstraram que a qualidade de água é adequada para consumo humano e melhor do águas potáveis produzida por sistemas de tratamento convencional (coagulação/floculação com sulfato de alumínio e polímeros, sedimentação, filtração, desinfecção com cloro e ajustagem de Langelier, para evitar depósitos ou corrosão nas linhas de distribuição).
As águas cinzas se dividem em águas cinzas leves (que coletam apenas as águas de lavagem de roupas, de chuveiro, lavatórios e de lavagem de veículos) e que possuem carga orgânica relativamente baixa ; água cinza pesada (que inclui todas as águas referidas nas águas cinzas leves mais as águas provenientes de pias de cozinha) e que possuem carga orgânica relativamente alta. Águas pesadas necessitam de um retentor de gordura sendo posteriormente acumuladas em containers de polipropileno ou de plástico comum para distribuição aos pontos de consumo. No mercado brasileiro estão disponíveis alguns sistemas de tratamento compactos que tratam águas cinzas por batelada ou por fluxo contínuo. A prática usual vigente no Brasil é do tratamento e reúso de águas cinzas leves.
O reúso potável pode ser efetuado sob duas formas distintas: reúso potável indireto ou reúso potável direto.
O reúso potável indireto o esgoto (predominante doméstico) é tratado por sistemas biológicos, geralmente lodos ativados seguidos de membranas de ultrafiltração. Após o tratamento a água é lançada em corpo receptor, quer seja um reservatório superficial ou subterrâneo, para ser diluído sendo a mistura captada a jusante do ponto de lançamento em rios, ou a distância preestabelecida no caso de lançamento em reservatórios. O corpo receptor é denominado "atenuador ambiental" cujos objetivos básicos são:
• Proporcionar diluição e estabilização dos contaminantes ainda existentes no efluente tratado;
• Proporcionar, através de sistemas naturais, barreiras adicionais de tratamento para organismos patogênicos e/ou elementos traços;
• Proporcionar tempo de resposta em caso de mau funcionamento de sistemas avançados de tratamento e;
• Transmitir aos usuários de sistemas públicos de abastecimento a sensação de que o esgoto passa por sistemas naturais de diluição.
O reúso potável indireto pode ser efetuado utilizando aquíferos subterrâneos freáticos com atenuadores ambientais
A legislação do estado da Califórnia (CDPH, 2008), para recarga gerenciada de aquíferos (que deve ser avaliada e adaptada para condições brasileiras), por exemplo, estabelece uma retenção de 6 meses, baseada na hipótese que cada mês de retenção proporciona a redução de 1 log (99%) de vírus, obtendo no período total uma redução correspondente a 6 logs (99,9999%).
A utilização de recarga gerenciada de aquíferos como atenuadores ambientais é uma técnica consagrada em muitos países desenvolvidos e em estágio de desenvolvimento. Porém o uso de aquíferos subterrâneos como atenuadores ambientais não é permitido no Brasil mostrando o atraso tecnológico dos responsáveis pela proteção ambiental do Brasil
Existe atualmente uma enorme quantidade de sistemas de reúso potável indireto tanto experimentais como públicos operando em diversos países.
Atualmente a Companhia de Água e Esgotos de Brasília - CAESB está instalando uma sistema complementando o seu sistema de lodos ativados com membranas de ultrafiltração para reúso potável indireto. O efluente tratado é lançado no Lago Paranoá e é captado a uma distância predeterminada do ponto de lançamento e distribuído como água potável.
O sistema administrado pela Companhia Intermunicipal de Água, Veurne - Ambacht - IWVA, em Koksijde, no estremo norte da Bélgica, está em operação desde julho de 2002. A ETE de Wulpen, constituída por um sistema de lodos ativados foi construída em 1987 e reformada em 1994 para incluir remoção de Fósforo e Nitrogênio. O efluente da ETE Wulpen é encaminhado à Estação de Tratamento Avançado de Torreele onde passa por unidades de ultrafiltração (ZeeWeed, ZW 500C da Zenon) e, em seguida, por unidades de osmose reversa (30LE-440 da Dow Chemical) (Van der Merwe, 2008).
O efluente da ETA de Torreele é, após um transporte de aproximadamente 2,5 quilômetros, infiltrado no aquífero arenoso, não confinado, de Saint André, com o objetivo de remover organismos patogênicos e traços de produtos químicos que possam ter ultrapassado a barreira de osmose reversa. A água é recuperada do aquífero a distancias variando entre 33 e 153m do ponto de recarga, através de 112 poços, com profundidades variando entre 8 e 12 metros. O extensivo sistema de monitoramento efetuado mostrou a excelente qualidade da água potável produzida. As análises efetuadas em 2007 nos efluentes do sistema de osmose reversa indicaram a ausência de produtos farmacêuticos quimicamente ativos e de DEs acima dos limites de detecção de 0,5 a 10 ng/L (Van Houtte & Verbauwhede, 2008 e Vandenbohede et al, 2008).
O Reúso Potável Indireto Planejado – RPIP é difícil, senão impossível, de ser aplicado nas condições atuais brasileiras, devido às seguintes características técnicas, ambientais, legais e institucionais:
• Os corpos receptores superficiais que poderiam operar como atenuadores ambientais são, geralmente poluídos, não possibilitando os efeitos purificadores secundários deles desejados;
• Na realidade o oposto ocorreria, pois efluentes altamente purificados por processos avançados de tratamento seriam contaminados face aos elevados níveis de poluição da maioria de nossos corpos hídricos. Além disso, considerando que as estações de tratamento de esgotos-ETEs, são, geralmente, muito distantes das estações de tratamento de água-ETAs, os custos de interligação entre ambas seria muito elevado, particularmente na RMSP.
A opção adotada por vários sistemas de reúso potável indireto em todo o mundo, é a de utilizar aquíferos subterrâneos como atenuadores ambientais através de recarga gerenciada. Entretanto, por desconhecimento da importância e benefícios inerentes, a prática de recarga gerenciada de aquíferos é, formalmente, rejeitada por nossos legisladores e por alguns órgãos de fomento, que vêm, continuamente, recusando o desenvolvimento de estudos e projetos, que dariam subsídios para o desenvolvimento de uma norma e de códigos de prática nacionais sobre o tema (Hespanhol, 2009). Não existe, portanto, atualmente, a possibilidade atual de serem utilizados, no Brasil, aquíferos como atenuadores ambientais.
Na RMSP, apenas o reservatório Paiva Castro do Sistema Cantareira por apresentar água com qualidades adequadas para atuar como atenuador ambiental
O uso de águas cinzas está disseminado internacionalmente. No Brasil diversos estabelecimento residenciais, industriais e postos de gasolina utilizam a prática do uso de águas cinzas.
Nós não recomendamos mais a utilização de águas cinzas pelas seguintes razões:
• Os custos para implantar sistemas de águas cinzas para usos não potáveis são muito altos, envolvendo a separação das águas cinzas das águas de descarga sanitárias (custos menores em instalações novas mas custo alto e os problemas associados à interrupção do serviço em edifícios existentes);
• Custos associados ao lançamento de aproximadamente 30% do total de esgoto produzido em redes coletoras de esgoto de concessionarias;
• O uso de fossas sépticas para tratamento gera poluição muito grande de aquíferos subterrâneos por vazamento nas tubulações de entrada e saída;
• Com o advento dos reatores de membranas de ultrafiltração o tratamento de todo o esgoto produzido ficou mais econômico do que o tratamento de águas cinzas. Estou terminando 1 artigo com todos os custos inerentes comparativamente, para justificar esse novo sistema de tratamento integrado.
Os sistemas de ultrafiltração ocupa áreas muito menores para instalação (em torno de ¼ das áreas ocupadas por sistemas biológicos de tratamento) e para tratamento de águas de abastecimento. O custo de membranas de ultrafiltração estão cada vez menores, levando a uma grande aceitação no mercado de membranas. Ressalte-se que o tratamento de esgoto para fins potáveis por membranas de ultrafiltração.
Gera efluentes, que com exceção de cor e de coliformes atendem a Portaria 2914/2011 QIE que estabelece os padrões de água potável no território nacional. Ambos podem ser ajustado com o controle de pH e desinfecção por cloro.

 

 

Eng. Ivanildo Hespanhol
Professor Titular da Escola Politécnica da USP, fundador e Presidente do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água - CIRRA/IRCRA/USP

Publicidade