Coagulação De Água Bruta De Excelente Qualidade: Monitoria Via Potencial Zeta E Medidor De Corrente

Uma ETA (estação de tratamento de água) tratando água bruta de excelente qualidade (turbidez e cor muito baixas) opera no modo de filtração direta


Uma ETA (estação de tratamento de água) tratando água bruta de excelente qualidade (turbidez e cor muito baixas) opera no modo de filtração direta, ou seja, com coleta de sólidos e dos flocos formados na coagulação somente nas unidades de filtração.
No caso de filtração direta, os flocos devem ser de tamanho pequeno, de modo a otimizar a coleta pelas camadas filtrantes. Segundo Piveli e Kato (2006), o coagulante reage com a alcalinidade da água formando hidróxidos metálicos polimerizados altamente insolúveis (de alumínio ou de ferro, dependendo do coagulante utilizado), que arrastam partículas coloidais em seus percursos de sedimentação. São previstas relações estequiométricas entre dosagem de coagulantes e alcalinidade necessária.
Para uma água bruta de excelente qualidade, com concentrações muito baixas de sólidos suspensos, é muito difícil a obtenção de um floco de tamanho razoável. Há ainda a dificuldade adicional desta água apresentar alcalinidade muito baixa. Sais de ferro como coagulantes abaixariam muito o pH da água coagulada, obrigando a utilização de grandes quantidades de alcalinizante, como por exemplo cal hidratada. Assim sendo, a preferência normal é por coagulantes que não influenciam significativamente o pH: normalmente polímeros inorgânicos a base de alumínio denominados PAX ou polímeros orgânicos. Outro ponto favorável à utilização desses últimos, segundo Bae et al. (2007), é que é facilitada a captura nos flocos de materiais coloidais e finos diversos, permitindo o aumento do tamanho do floco resultante.

Eletroforese e potencial Zeta
O mecanismo principal de coagulação em tratamento de água por filtração direta é o de neutralização de cargas, no qual as cargas presentes no coagulante irão atuar sobre as cargas das partículas, buscando-se a eletroneutralidade.
Quando uma partícula eletricamente carregada é submetida a um campo elétrico entre dois eletrodos, ela migrará para o eletrodo com sinal contrário ao da carga resultante da partícula. Este movimento é denominado eletroforese. Por meio deste fenômeno, as propriedades elétricas de sistemas de partículas altamente dispersas em um meio líquido podem ser definidas (Montgomery Watson Harza, 2005).
De acordo com Ferreira Filho (2011), "quando a partícula coloidal é submetida a uma diferença de potencial, ela migra para o pólo de sinal contrário à sua carga primária. Os contra-íons que se encontram na camada compacta estão fortemente atraídos à partícula e são capazes de migrarem junto com ela, já os que estão na camada difusa, nem todos possuem esta capacidade. Pode-se imaginar um plano no interior da camada difusa que corresponde ao limite desta capacidade de acompanhamento da partícula, ou seja, as cargas que estão até este plano são capazes de acompanhar a partícula e as que estão fora não. Este plano é chamado de plano de cisalhamento. O potencial máximo de repulsão eletrostática ocorre exatamente na superfície da partícula; é ele que tem que ser neutralizado para a desestabilização da partícula, mas é muito difícil de ser medido. O que pode ser medido é o potencial manifestado no plano de cisalhamento, o potencial zeta, porque corresponde ao potencial das cargas que estão dentro do plano de cisalhamento. Ele é medido por eletroforese, uma vez que estas cargas migrarão com a partícula para o polo de sinal contrário. Certamente este potencial zeta é menor que o total, mas por poder ser medido mais facilmente, serve de referência para as intervenções nas estações de tratamento de água, como o estabelecimento das dosagens de coagulantes". A figura 1 mostra o zetâmetro utilizado nas determinações para este trabalho.

 

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Em estações de tratamento de águas (ETAs) as dosagens de coagulante e outros produtos químicos são definidos e controlados por operadores. As estações de tratamento têm há muito tempo utilizado testes de jarros para obtenção da melhor dosagem de coagulante; no entanto, os testes de jarros são uma representação muito simplista do tratamento físico-químico e não representa adequadamente a operação de uma ETA. De acordo com Bryant (2000), quando características da água bruta tais como cor e turbidez mudam rapidamente, o teste de jarros perde utilidade, pois não pode fornecer uma resposta rápida e os operadores precisam agir rapidamente para manter a qualidade desejada da água tratada sob todas as condições e variantes.
A medição do potencial Zeta iniciou-se nos anos 70 nos EUA; quanto mais próximo do zero o valor para uma água coagulada, mais próxima de ótimo a dosagem de coagulante. Pouco tempo depois, surgiu o monitor de corrente em trânsito ("streaming current monitor"), que conta com um sensor elétrico para determinar quando a neutralização de cargas é alcançada em uma suspensão (Virginia Community College System, 2010).

Monitor de corrente
O monitor de corrente em trânsito ou em tempo real foi desenvolvido pois o Zetâmetro não pode ser empregado "on-line" ou seja, em fluxo contínuo. A corrente em trânsito ou "streaming current" é a corrente elétrica criada quando a água é forçada através de um tubo. Ela é proporcional ao potencial Zeta das paredes do tubo, não ao das partículas ou flocos na água – porém, felizmente, as partículas aderem levemente às paredes do tubo e afetam o potencial Zeta do mesmo. Então a medição da corrente de fluxo corresponde à uma medição indireta do potencial Zeta das partículas (Zeta-Meter Inc., 2013).Sendo uma medida indireta, leituras de um monitor não-calibrado para uma determinada água, coagulante e operação não têm significado físico. Uma mudança na indicação do aparelho indica que algo está diferente, mas não indica a importância da mudança. Assim sendo, a calibração correta do aparelho, com recalibrações e limpezas periódicas, é de grande valia para a operação otimizada da estação de tratamento de água e possibilita obter economias de produtos químicos.
Segundo a Chemtrac (2004), o uso correto do monitor de corrente (vide figura 2) permite reduzir os gastos com coagulantes, em relação à operação da ETA baseada na experiência do operador aliada a resultados de testes de jarros. Além disso, em ETAs configuradas para filtração direta, não há preocupação em se maximizar o tamanho dos flocos para remoção ótima de cor e turbidez. Com isso, o teste de jarros perde ainda mais em importância em relação à medição de cargas e correntes.
E com relação à remoção de matéria orgânica por coagulação aprimorada, e especialmente na filtração direta, a dosagem ótima de coagulante não está ligada a colisões de partículas e ao desenvolvimento dos flocos; este fato constitui uma vantagem dos monitores de corrente sobre os zetâmetros, os quais dependem da observação visual de partículas.
A teoria de operação do monitor de corrente em trânsito é similar à do zetâmetro, em que um dispositivo de medição de cargas é baseado no potencial zeta. O monitor mede as cargas iônica e superficial resultantes em uma suspensão entre dois eletrodos. Um pistão movimenta a amostra de água de um lado para outro em uma câmara, de modo que cargas positivas e negativas são movimentadas para os eletrodos, produzindo um fluxo de corrente, cuja amplitude e polaridade são funções do tipo de coagulante e do local de amostragem da água. Se uma dosagem de coagulante utilizado conseguir neutralizar os íons negativos na água bruta, então a leitura no monitor será "0.0" (Virginia Community College System, 2010).
Um monitor de corrente calibrado e posicionado adequadamente na ETA responde imediatamente a mudanças súbitas nas características físico-químicas da água bruta (turbidez, pH, cor, etc.) e na vazão de operação, permitindo ao operador fazer rapidamente os ajustes necessários na dosagem de produtos químicos. O aparelho pode dar alarme imediato se houver interrupção nas dosagens por algum motivo ou pode indicar qualquer variação de qualidade no produto sendo dosado, ou se houver funcionamento errático de dosadores, etc. O monitor trabalha igualmente bem com coagulantes inorgânicos e com polímeros que possuam cargas positivas ou negativas (Bryant, 2000), mas para tal deve ser calibrado periodicamente, para cada tipo de coagulante, água bruta e estação de tratamento.
Segundo a Hobeco (2004), variações significativas de pH, condutividade, turbidez e temperatura da água podem afetar a referência ou "set point" do monitor (leitura que corresponde à mais baixa dosagem de coagulante que produz água tratada de qualidade aceitável).Na calibração deve-se buscar uma configuração de trabalho ou "baseline" de leituras do monitor quando a estação está sendo operada com dosagem dita ótima de coagulante. Os resultados devem incluir os efeitos sazonais sobre a qualidade da água. Recomenda-se conduzir testes de jarros de modo a se obter a dosagem ótima de coagulante e anotar a leitura do monitor de corrente imediatamente após a coagulação. A confirmação periódica da "baseline" contribui com a validade de confiabilidade do aparelho (Romanelli, 2013).
Um monitor de corrente instalada no laboratório de uma ETA é uma ótima ferramenta para operadores observarem como mudanças em pH, alcalinidade, turbidez, tempo de mistura, dosagens, etc., afetam as leituras do aparelho (Chemtrac, 2004).
Testes com diversas águas indicaram que o pH e a alcalinidade exerceram os maiores efeitos sobre a utilidade do medidor. Valores mais elevados de alcalinidade e/ou pH tendem a retardar ou mesmo interromper a resposta do equipamento. Estudos indicam que o monitor de corrente é de maior utilidade para coagulação em pH 7 ou inferior. Para coagulação em pH elevado, o tempo de resposta do aparelho é retardado drasticamente; para pH acima de 8, o monitor pode não ser sensível a mudanças de dosagem. O que ocorre é que normalmente em pH 8 ou superior a coagulação por varredura é empregada, e assim sendo é quase impossível a coagulação com neutralização de cargas. Embora o pH e a alcalinidade retardem o tempo de resposta do monitor e tendam a requerer a limpeza mais frequente e descalcificação dos eletrodos, o aparelho ainda pode se mostrar útil (Virginia Community College System, 2010).

 

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Materiais e procedimento
Os coagulantes testados foram: dois inorgânicos (sulfato de alumínio e policloreto de alumínio PAX1060) e dois polímeros orgânicos, com nomes comerciais SF 577 e SF 592 da Kemira Chemicals Brasil.
No preparo das soluções de água coagulada, foi utilizado um equipamento de "Jar Test" (Ethika). A rotação das pás de mistura na coagulação foi de 200 rpm (correspondendo a um gradiente de velocidades de 310s-1) durante 1 minuto. Para a mistura de polímeros orgânicos o gradiente de velocidades não pode ser elevado, para não quebrar as cadeias poliméricas. Alíquotas de 20mL de cada amostra de água coagulada foram coletadas imediatamente a seguir e colocadas em frascos e levadas para medição do potencial Zeta. Imediatamente após esta coleta, cada jarro com água coagulada era levado ao medidor de corrente para determinação das unidades de corrente.
Um Zetâmetro Malvern, modelo Zetasizer nanoseries/nano-Z com banco de dados acoplado a computador foi utilizado na medição dos potenciais Zeta. O monitor de corrente em trânsito utilizado foi da MicroTscme fornecido pela Policontrol do Brasil. A Tabela 1 mostra a variação de valores de variáveis de qualidade da água bruta.

 

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Resultados das determinações
Todos os valores de potencial Zeta apresentados são médias de 3 leituras do Zetâmetro. As leituras do medidor de corrente foram feitas após estabilização das mesmas, com tempo de espera na faixa de 20 a 30 segundos.
A figura 3 mostra potencial Zeta versus dose de coagulante orgânico. Testes em 2 dias diferentes. Nesses dias a única variação significativa na qualidade da água bruta foi a da alcalinidade: de 9,0 ppm CaCO3 em 4/abril para 0,9 ppm CaCO3 em 12/abril.

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Observa-se que houve, com a queda da alcalinidade, um "achatamento" das curvas de potencial Zeta em função da dosagem de coagulante. De acordo com a figura 3, a dose ótima de produto (polímeros orgânicos SF 577 e 592) aumentou de 1,2 – 1,3 ppm em 4/abril para cerca de 3,6 ppm (SF 577) e para acima de 4,0 ppm (SF 592) em 12/abril.
Na figura 4 estão coeficientes de Pearson R2 obtidas entre potencial Zeta e unidades SC do medidor de corrente para os polímeros SF 577 e 592. Os valores 0,87 e 0,96 indicam correlações de razoável a boa para SF 592 e SF 577.

 

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Nesta situação de alcalinidade igual a 11,3 ppm CaCO3, a figura 5 mostra que as dosagens de SF 577 e SF 592 para zerar o potencial Zeta ficaram em torno de 1,2 -1,3 ppm. Novos testes conduzidos em 25/junho. As variáveis de qualidade não se alteraram significativamente (tabela 1), exceto a alcalinidade, que desta vez foi 3,7 ppm CaCO3. As figuras 6 e 7 mostram o potencial Zeta em função das doses de sulfato de alumínio e PAX1060, e das doses de polímeros orgânicos SF 577 e SF 592, respectivamente.

 

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De acordo com os resultados mostrados nas figuras 5 e 7, observa-se que a queda no valor da alcalinidade da água bruta aumentou consideravelmente a dosagem de coagulante SF 577 necessária para zerar o potencial Zeta (de 1,2-1,3 ppm para cerca de 3 ppm), enquanto que a dosagem necessária de coagulante SF 592 estaria acima de 3 ppm.
Já a figura 6 mostra que as dosagens ótimas de sulfato de alumínio e coagulante inorgânico PAX1060 foram ligeiramente acima de 10 ppm.
A figura 8 mostra os valores estimados de dosagem ótima de polímero orgânico (ponto de potencial Zeta = zero) em função da alcalinidade da água bruta.

 

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Conclusões
A avaliação de alguns coagulantes para o tratamento por filtração direta de uma água bruta de excelente qualidade (turbidez e cor muito baixas) e alcalinidade muito baixa (sempre menor que 15 ppm CaCO3) foi conduzida por meio de medições de potencial Zeta da água coagulada em função da dosagem de coagulante. Tal avaliação mostrou que a dose ótima de coagulante é muito influenciada pela alcalinidade, com aumento significativo da dose ótima quando de uma diminuição significativa da alcalinidade.
Em vista da utilização de um monitor de corrente na ETA visando otimizar a dose de coagulante em fluxo contínuo, os potenciais Zeta de amostras de águas coaguladas obtidas em testes de jarros para algumas dosagens de duas alternativas de coagulante orgânico foram obtidos em laboratório, assim como as leituras correspondentes de um monitor de corrente. Foram obtidas correlações de razoáveis a boas entre as leituras e os valores de potencial Zeta.

 

 

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Frederico Lage Filho
Eng. Civil (EPUSP, 1981). M.Sc.(1988), Ph.D. (1992) em Eng. Civil e Ambiental pela Universidade da California-Berkeley. Docente de Pós-Grad., Faculdades Oswaldo Cruz/Programa de Gestão, Perícia e Auditoria Ambiental (2003-atual). Eng. Consultor da Brasil Ozônio Ltda. (2007-atual).

 


Referências bibliográfica:

Bae, Y. H.; Kim, H. J.; Lee, E. J.; Sung, N. C.; Lee, S. S. e Kim, Y. H. – Potable Water Treatment by Polyacrylamide Base Flocculants Coupled with an Inorganic Coagulant. Environ. Eng. Res., Korean Society of Environmental Engineers, Vol. 12, n. 1, p. 21-29, 2007.
Bryant, R.L. – Water Treatment Control Using the Streaming Current Monitor (2000). Texto em: Chemtrac Homepage. Acesso: 21/7/2013.
Chemtrac,Inc.: www.chemtrac.com/products/cca3100/documents/Laboratory_SCM.pdf. Acesso: 17/7/2013.

Ferreira Filho, S. S. – Tratamento e Qualidade de Águas, notas de aula. Departamento de Eng. Hidráulica e Ambiental, Escola Politécnica da USP, 2011.
Hobeco – Site: http://www.hobeco.net/analitica/Corrente de fluxo GLI.pdf. Streaming Potential (12/6/2004). Acesso: julho de 2013.
Montgomery Watson Harza (MWH). Water Treatment Principles and Design. 2a edição, John Wiley & Sons, 2005.
Piveli, R. P.; Kato, M. T. –Qualidade das Águas e Poluição: Aspectos Físico-Químicos. Editora ABES, 2006.
Romanelli, F. – Comunicação pessoal. PoliControl, junho de 2013.
Virginia Community College System –notas de curso à distância sobre tratamento de Água, 2010. Site: http://www.water.me.vccs.edu/concepts/scm.html. Acesso: 06/2013.
Zeta-Meter Inc.Site: http://www.zeta-meter.com/scnotes.pdf. Acesso: 07/2013.

 

 

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