Um Dia Chegaremos Lá

Começar a caminhada em direção a um desejo, um plano, uma ideia é uma jornada solitária, que se inicia na mente de alguém e, lenta e gradualmente, vai tomando a forma de esboços e projetos.


Um Dia Chegaremos Lá

 

Começar a caminhada em direção a um desejo, um plano, uma ideia é uma jornada solitária, que se inicia na mente de alguém e, lenta e gradualmente, vai tomando a forma de esboços e projetos. Não tem data certa para iniciar e menos ainda para ser concluída, porque são muitos os desafios e as barreiras para a descoberta de novos conhecimentos. Isso parece estar na total contramão do que, no senso comum, se convencionou denominar produtividade, lucratividade e assertividade, metas inerentes aos contextos empresariais. Será? Quem disse?
No Brasil, a maior parte das lideranças dos setores públicos e privados, nas mais diversas áreas de atuação, desconhece ou não valoriza o trabalho intelectual e nem o reconhece como fonte de sustentabilidade para seus negócios. Ter ideias, pesquisar, desenvolver tecnologias, patentes e produtos, criar inovação baseada em alicerces científicos faz parte do discurso não da prática do empresariado brasileiro. É raro vermos uma postura diferente, e quando há, ela se sobressai rapidamente porque os resultados econômicos da produção científica são tangíveis para quem sabe ler o verdadeiro significado da palavra progresso.
De acordo com o Banco Mundial, os índices de aproveitamento dos resultados de pesquisas científicas pelas empresas brasileiras são baixíssimos porque empresários e pesquisadores não trabalham de forma integrada. Se um profissional se qualifica a ponto de obter um título de doutor, para a miopia administrativa que impera, ele se torna um problema e, imediatamente, salta para a coluna de custos. Depois,via de regra, será impelido a refugiar-se no mundo acadêmico onde há um pouco mais de respeito ao conhecimento.
A parceria entre as empresas e os centros acadêmicos de pesquisa ainda não conseguiu ultrapassar a mentalidade focada em resultados imediatos e na centralização do poder, herança do nosso colonialismo. A realidade mostra que a resistência a essa abertura não é nem inteligente nem lucrativa. Exemplos reais para corroborar o valor da ciência aplicada não faltam: a Weg Motores, instalada em Santa Catarina, detentora de 16% do mercado mundial em motores de baixa tensão vem aplicando cerca de 30 milhões de reais em P&D, muito desse capital, certamente, investido na formação e retenção da equipe de profissionais técnicos e pensantes. Por isso não dispensa a parceria com universidades e o apoio de projetos por agências nacionais de fomento à pesquisa científica. A Petrobras reforça seu fôlego para destacar-se em P&D através de setores especialmente criados para promover a integração com centros acadêmicos no desenvolvimento de tecnologias.Vale lembrar que os investimentos em P&D deram à Petrobras a liderança mundial no segmento de exploração de petróleo em águas profundas, tornando-a apta a fornecer tecnologia para outras companhias. A Natura, exemplo de sustentabilidade empresarial e ambiental, investe 3% de sua receita líquida em P&D visando melhorias de processos e convênios com universidades e centros de pesquisa.
Segundo dados da UNICAMP, o Brasil mantém mais de 35 mil doutores em cerca de 250 instituições de ensino e pesquisa, formando 6 mil doutores e 20 mil mestres anualmente. Fontes do IPEA apontam que a participação brasileira na produção científica mundial subiu de 0,4% para 1,4% e a quantidade de patentes originadas no Brasil e registradas nos Estados Unidos saltou de 53 em 1980 para 220 em 2000, ficando na quinta posição entre todos os demais países. Mas a pergunta que não quer calar: quantos desses doutores são de fato valorizados na sua qualificação na hora de retornarem ao mercado de trabalho? Além disso, questões como propriedade intelectual e transferência de tecnologia ainda se configuram como grandes desafios legais e éticos pouco discutidos entre os centros de formação e pesquisa, as empresas e os pesquisadores, estes últimos, paradoxalmente, o elo mais frágil dessa corrente e o mais indispensável.
Apesar das muitas críticas às políticas públicas praticadas no Brasil, o maior investimento em pesquisa e desenvolvimento continua vindo do governo, enquanto as empresas privadas se esquivam da responsabilização não apenas de estimular a pesquisa científica, mas até mesmo de acolher com dignidade em seus postos de trabalho os pesquisadores e cientistas já formados. No entanto, formar doutores e cientistas é um caminho viável para impulsionar as empresas a atingirem um patamar tecnológico superior, que permita serem competitivas em mercados mais desafiadores. O setor privado não apenas pode como deve financiar as pesquisas e os laboratórios de onde vêm o conhecimento e a tecnologia que permitem que as empresas lucrem e expandam.
É fato que ser pesquisador no Brasil ainda é uma incógnita. O frágil limiar que separa a ignorância da má-fé entre os que usufruem do conhecimento produzido pelos profissionais que se dedicam à pesquisa, investindo anos e anos de sua vida na formação e qualificação técnico-científica, tem que ser debatido, a fim de que essa cisão entre a ciência e a realidade não retome aos tempos antigos e continue travando o nosso desenvolvimento como nação. Desconhecer o papel e o valor do pesquisador não pode se confundir com a demanda capitalista por mão de obra altamente qualificada a um custo não condizente, o qual não exige nenhum investimento das empresas privadas.
Diminuir nossa dependência das tecnologias importadas, produzindo desenvolvimento e inovação genuinamente brasileiros, depende da abertura do mercado empresarial à ciência e da ampliação das políticas de incentivo à pesquisa e desenvolvimento. Há nisso mais fatores subjetivos envolvidos, ligados à mudança de mentalidade dos gestores, do que a necessidade de argumentos racionais e econômicos. Chegaremos lá quando pararmos de querer enfatizar o resultado "concreto" como parâmetro para enxergar o progresso e quando respeitarmos o esforço e o trabalho intelectual envolvido na geração e operacionalização de ideias criativas e inovadoras.

 

 

Um Dia Chegaremos Lá
Dra. Tárcia Rita Davoglio
Psicóloga; Psicoterapeuta; Consultora em Gestão de Pessoas; Docente de IES e Educadora. Pós-doutorado em Educação/Bolsista CAPES/FAPERGS; Doutora e Mestre em Psicologia Clínica/PUCRS; Especialista em Gestão Empresarial/FGV; Especialista em Psicoterapia Psicanalítica/UNISINOS; Perita em Avaliação Psicológica e Gestão de Equipes - tarciad@gmail.com

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