Brasil Ainda Levará Quatro Décadas Para Alcançar A Universalização Do Saneamento Básico

Baixos investimentos devem atrasar a meta do plano nacional de saneamento básico


Brasil Ainda Levará Quatro Décadas Para Alcançar A Universalização Do Saneamento Básico

 

Apesar dos constantes alertas sobre a importância do saneamento básico para conter epidemias como dengue, chykunguya e zika vírus, causadas pelo mosquito Aedes Aegypti, os indicadores de saneamento básico no Brasil continuam alarmantes e o país ainda deve levar quatro décadas para alcançar a universalização do saneamento. De acordo com os dados publicados pelo Ministério das Cidades no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano base 2014, o país ainda tem mais de 35 milhões de brasileiros sem acesso aos serviços de água tratada, metade da população sem coleta de esgotos e apenas 40% dos esgotos do país são tratados.
Esses dados são preocupantes e dificultam o avanço do Brasil. "O saneamento é a infraestrutura mais básica de uma sociedade, a que traz benefícios à saúde das pessoas e ao meio ambiente. Estamos falando de levar água encanada para a população, retirar e tratar os dejetos de suas casas. Ainda é preciso lembrar que o saneamento é a infraestrutura que fornece e preserva a água, um dos bens mais necessário e preciosos para qualquer sociedade. O desenvolvimento de um país acontece quando seus cidadãos têm os serviços de saneamento prestados de maneira correta e para todos", ressalta Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil.
O economista e sócio da GO Associados, Pedro Scazufca, destaca que o saneamento básico é um setor social primordial para o desenvolvimento de um país, pois tem impacto direto em outras áreas, como a saúde, por exemplo. "Com a universalização do saneamento, você reduz as doenças e os índices de mortalidade infantil. Além disso, estudos mostram que o saneamento influencia na assiduidade escolar e na produtividade do trabalhador", afirma.
Em 2017, o Brasil completa 10 anos da criação da primeira Lei Federal de Saneamento Básico, porém, apesar dos esforços, o país ainda está atrasado na universalização dos serviços de saneamento ficando atrás de países como Venezuela, Chile, México, Colômbia e Argentina. "Infelizmente, o Brasil ainda está distante do que deveria oferecer à população. Trata-se de um país que figura entre as 10 maiores economias globais, mas que ainda tem mais de 100 milhões de brasileiros sem acesso à coleta dos esgotos e 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada. E o mais grave: somente 42% dos esgotos do Brasil são tratados. Em 2017 completamos 10 anos da nossa primeira Lei Federal de Saneamento Básico (11.445/2007) e nossos níveis de investimento na área estão inferiores ao que propusemos na época. Hoje gasta-se somente 60% do necessário e estamos avançando muito pouco, ano após ano", explica Édison.

 

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Em busca da universalização do saneamento
Na última década, o Brasil tem buscado instrumentos que impulsionem a universalização do saneamento básico, mas apesar dos esforços, o país ainda está longe de atingir essa meta.
Em 2007 foi instituída a Lei 11445, a Lei do Saneamento, que estabelece as diretrizes para o saneamento básico em todo o país e abarca os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. "Entre outras coisas, a Lei obriga os municípios a criarem seus Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB), mas esta meta vem sendo postergada por constantes adiantamentos dos prazos de entrega desses planos pelo próprio Governo Federal", lamenta Édison.
Já em 2008, o Governo Federal lançou o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), com a meta de universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico como um direito social até 2030, contemplando os componentes de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, e drenagem das águas da chuva. Entretanto, o estudo "Burocracia e Entraves no Setor de Saneamento", realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), aponta que no ritmo atual, o Brasil levará mais quatro décadas para atingir essa meta. Segundo o estudo, toda a população do país só será atendida com água encanada em 2043 e, com acesso à rede de esgoto, somente em 2054. "O Plansab foi um passo importante para o saneamento no Brasil, mas não será ele que resolverá os problemas. É um instrumento relevante por quantificar o problema, inclusive ali existem diretrizes de como chegar à universalização do saneamento básico, mas infelizmente partiu de premissas financeiras que não se concretizaram, portanto, precisa ser revisto e com urgência. Havia, por exemplo, previsões de crescimento importante do PIB, o que não ocorreu prejudicando alcançar metas", destaca Édison.
A perspectiva de atraso no cumprimento da meta se deve à baixa média histórica de investimentos no setor. Nos últimos anos, mesmo diante da liberação de verbas por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), não houve aumento expressivo nos recursos destinados à obras de saneamento.
Para que sirva todos os lares do país com água tratada e coleta de esgoto, o Brasil precisa investir R$ 274,8 bilhões. O valor é o aporte necessário para atingir as metas de universalização traçadas para 2033 pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
Entretanto, a questão financeira não é o único entrave da universalização dos serviços de saneamento. "Por muitos anos esbarramos na falta de vontade política para que as obras avançassem com a agilidade que deveriam; hoje temos mais problemas, além da vontade política: burocracia financeira, temos dezenas de obras paralisadas por questões jurídicas ou entraves nos projetos, dificuldades nos licenciamentos e mesmo ausência de projetos. Ao mesmo tempo, temos um país onde os estados e municípios vivem com sérios problemas fiscais e financeiros. Mesmo no âmbito das empresas operadoras de água e esgotos, temos empresas de alto nível técnico-financeiro, mas uma maioria com problemas diversos, tais como baixa capacidade de gestão, problemas financeiros, baixa capacidade técnica, altas perdas de água, etc. Nessa situação elas não conseguem propor bons projetos, tocar obras e administrar os serviços. É, sem dúvidas, a infraestrutura no Brasil com mais problemas a resolver em 2017", afirma Édison.
Na opinião de Pedro, além dos investimentos, são necessários três fatores para que o Brasil possa alcançar a universalização do saneamento: gestão das empresas, planejamento e regulação. "As empresas de saneamento enfrentam hoje dificuldades financeiras o que impacta em novos investimentos. Além disso, grande parte dos municípios não possui um plano de saneamento", afirma o economista.

 

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Ranking do saneamento
Desde 2009, o Instituto Trata Brasil divulga o tradicional "Ranking do Saneamento Básico nas 100 Maiores Cidades", sempre com base nos dados oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SNIS). Os números são informados pelas próprias empresas operadoras de água e esgotos dos municípios brasileiros ao Governo Federal, portanto, são números oficiais das próprias cidades.
O estudo é realizado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria GO Associados, especializada em saneamento básico, e tem o intuito de acompanhar a situação do saneamento e mobilizar a sociedade por avanços mais efetivos. "O objetivo do Ranking do Instituto Trata Brasil é ter um panorama do avanço dos serviços de água e esgotos nas 100 maiores cidades do Brasil. Além dos indicadores mais importantes; abastecimento de água, coleta e tratamento dos esgotos, considera ainda os investimentos x arrecadação, perdas de água no sistema de distribuição, avanços nas ligações de água e esgotos, entre outros. São indicadores essenciais e que permitem fazer uma leitura da situação de cidades que, juntas, somam mais de 40% da população brasileira. O Ranking vem sendo aperfeiçoado ao longo do tempo, especialmente em sua metodologia, sempre ouvindo as principais lideranças do saneamento no país. Apesar das mudanças metodológicas é fato que as melhores cidades sempre ficam na parte superior do estudo e as cidades sem avanços ocupando o rodapé. O objetivo, portanto, é que o cidadão dessas cidades conheçam a situação e cobrem resultados de seus gestores, especialmente podendo comparar com cidades similares onde o saneamento avança mais rápido", explica Édison.
Em média, a cada 4 anos o Trata Brasil faz uma revisão dos critérios e indicadores usados no Ranking, especialmente após ouvir autoridades e entidades ligadas ao meio ambiente e ao setor de saneamento. O intuito é aperfeiçoar o Ranking com indicadores que espelhem melhor os avanços dos sistemas de água e esgotos nas grandes cidades do país. A nova versão do estudo mostra a lentidão dos avanços, mesmo nas maiores cidades brasileiras.
Um dos pontos que evidencia a clara deficiência em avanços efetivos em todo o país é que as 20 melhores cidades do estudo investiram juntas em 2014 o valor de R$ 827 milhões e arrecadaram R$ 3,8 bilhões com os serviços. Já a média de investimento dos últimos cinco anos (2010 a 2014) foi de R$ 188,24 milhões (R$ 71,47 por habitante/ano). Já os 20 piores municípios do Ranking investiram juntos em 2014 o valor de R$ 482 milhões e arrecadaram R$ 1,9 bilhão com os serviços. Já se considerarmos a média dos últimos 5 anos, a média de investimentos foi de R$ 96,46 milhões (R$ 28,20 por habitante/ano). Isso mostra uma tendência das cidades com as maiores carências ficarem ainda mais atrasadas nesta infraestrutura mais básica. "O Plano Nacional de Saneamento Básico tinha uma previsão de alcançar a universalização do saneamento em 2033. Entretanto, para atingir essa meta é necessário um investimento de R$ 20 bilhões ao ano. Em 2015, foram investidos apenas R$ 12 bilhões. Nesse ritmo, a previsão é que o Brasil ainda leve quatro décadas para conquistar a universalização do saneamento", analisa Pedro.
A nova metodologia do Ranking do Saneamento considera três grupos para o estudo: cobertura, nível de eficiência e melhora da cobertura, conforme o quadro ao lado:
Os indicadores de investimentos e arrecadação consideram a média dos últimos 5 anos, ao invés apenas do ano em análise (2014), assim consegue-se ter uma ideia melhor do esforço das cidades com o saneamento básico ao longo do tempo.
O estudo mostra que os 20 municípios com melhores colocações no ranking apresentam bons indicadores de saneamento, entretanto, em outras cidades os dados são preocupantes. "Macapá, por exemplo, tem mais de 70% de perda de água", indica Pedro.
Dos vinte melhores municípios do Ranking, dez localizam-se no estado de São Paulo, cinco no Paraná, quatro em Minas Gerais e um no Rio de Janeiro.
Em relação ao indicador total de água, com exceção do município de São José do Rio Preto - SP (92,99%), os primeiros colocados possuem sempre mais do que 95% de atendimento e nove possuem serviços universalizados de água. O indicador médio de atendimento de água para o grupo é 99,32%, de modo que tais municípios se mostram próximos da universalização dos serviços de água.
Já para o indicador urbano de água, há 15 municípios com serviços universalizados de água. O indicador médio de atendimento urbano de água para o grupo é 99,85%, de maneira que tais municípios se mostram próximos da universalização dos serviços de água também nesse critério.
Quanto ao indicador de atendimento de esgoto total, apenas um município não possui mais do que 90% de atendimento, que é o caso de Cascavel - PR (77,94%). Além disso, somente Franca - SP reportou indicador de coleta igual a 100%. O indicador médio de atendimento para o grupo é 96,86%. Tal valor é bastante superior à média nacional, que segundo o SNIS 2014, é de 49,6%.
Já dos dez piores municípios do Ranking, três são do Rio de Janeiro. Além disso, há dois do Pará, e um de cada um dos estados seguintes: Amazonas, Amapá, Ceará, Pernambuco e Rondônia.
Com relação ao atendimento total de água dos dez piores municípios, apenas São João de Meriti - RJ (92,72%) e Nova Iguaçu - RJ (93,76%) possuem mais do que 90% de atendimento. Além disso, quatro municípios atendem menos da metade de sua população com água. O indicador médio para o grupo é de 72,18% valor quase 9 p.p. abaixo da média nacional, que segundo o SNIS 2014, é de 83%.
Já para o indicador de atendimento urbano de água, três municípios atendem menos da metade da população com água, Macapá - AP (37,56%), Porto Velho – RO (34,47%) e Ananindeua - PA (26,89%).
Para o indicador de atendimento total de esgoto, Ananindeua - PA e Santarém - PA não possuem nenhuma coleta de esgoto. Dentre os dez piores municípios, seis coletam menos que 10% do esgoto que produzem. "A preocupação é que os avanços em saneamento básico não só estão muito lentos no país, como cada vez mais concentrados onde a situação já está melhor. Estamos separando o Brasil em ilhas de estados e cidades que caminham para a universalização da água e esgotos, enquanto que uma grande parte do Brasil simplesmente não avança. Continuamos à mercê das doenças", comentou Édison na divulgação do estudo.

 


Melhores e piores
Conheça as melhores e as piores cidades no ranking de saneamento de 2016.

Melhores
1 – Franca (SP)
2 – Londrina (PR)
3 – Uberlândia (MG)
4 – Maringá (PR)
5 – Santos (SP)
6 – Limeira (SP)
7 – São José dos Campos (SP)
8 – Ribeirão Preto (SP)
9 – Jundiaí (SP)
10 – Ponta Grossa (PR)

Piores
91 – Duque de Caxias (RJ)
92 – Nova Iguaçu (RJ)
93 – São José do Meriti (RJ)
94 – Jabotão dos Guararapes (PE)
95 – Juazeiro do Norte (CE)
96 – Santarém (PA)
97 – Manaus (AM)
98 – Macapá (AP)
99 – Porto Velho (RO)
100 – Ananindeua (PA)


 

Contatos:
GO Associados: www.goassociados.com.br
Instituto Trata Brasil: www.tratabrasil.org.br

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